domingo, 3 de outubro de 2010

Olhando o mar, sonho sem ter de quê





Olhando o mar, sonho sem ter de quê.

Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.

Mas de se nada ver quanto a alma sonha!

De que me servem a verdade e a fé?



Ver claro! Quantos, que fatais erramos,

Em ruas ou em estradas ou sob ramos,

Temos esta certeza e sempre e em tudo

Sonhamos e sonhamos e sonhamos.



As árvores longínquas da floresta

Parecem, por longínquas, 'star em festa.

Quanto acontece porque se não vê!

Mas do que há pouco ou não há o mesmo resta.



Se tive amores? Já não sei se os tive.

Quem ontem fui já hoje em mim não vive.

Bebe, que tudo é líquido e embriaga,

E a vida morre enquanto o ser revive.



Colhes rosas? Que colhes, se hão-de ser

Motivos coloridos de morrer?

Mas colhe rosas. Porque não colhê-las

Se te agrada e tudo é deixar de o haver?



Fernando Pessoa

Sem comentários:

Enviar um comentário